quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Dirscurso - Colação de Grau - Letras 2008


Ahhh... UnP! Há poucos dias cheguei, estacionei meu carro, atravessei o campus, (é estranho como aquele lugar em nada parece ser a UnP que conhecemos sem a presença de todos vocês, de todos nós, por todos os lados), subi as escadas, me dirigi à direção do Curso de Letras, para resolver algumas pendências... Ainda não tinha imaginado que seria o meu último dia (pelo menos, por esse ano).
Em 19 de Julho de 2006, eu chegava a UnP, a mesma UnP, porém um campus diferente – Campus Roberto Freire, sala 119, turma 4NA, disciplina Prática em Estudos da Linguagem. Eu caminhava pelos corredores sem a confiança de hoje, aliás, com uma enorme desconfiança e sem saber ao certo o que norteava aquele grupo, e mais, sem saber que iria encontrar duas turmas tão seletas, tão diferentes e tão iguais ao mesmo tempo, tão especiais. Vocês, juntamente com todos os nossos professores aqui presente, se tornavam para mim, naquele momento, minha nova família.
Demos início a essa caminhada juntos, eu retornava a casa e vocês iniciavam o segundo ano no Curso de Letras. Era minha primeira aula na instituição, mas, não exatamente minha primeira aula na UnP, apenas minha primeira aula como professora. Entrei naquela sala ansiosa, curiosa, sedenta por conhecer quem eram eles, meus alunos. Talvez estivesse apenas tentando me ver ali, entre vocês, tentando me enxergar em cada um de vocês. Pois não havia muito tempo, tinha estado exatamente naquela mesma situação, mas, na época, eu era de fato um de vocês, e por que não dizer um de nós? Pois bem, vamos ao nós e ao que ficou por ser dito sobre nós depois de todo esse tempo juntos.
Acredito que nada na vida acontece por acaso, como acredito que não é por acaso que hoje estou aqui com uma missão tão honrosa, uma missão dupla, proferir algumas palavras a todos vocês em meu nome e em nome da nossa querida professora, Conceição Flores, também paraninfa desta turma de Letras. E o que não seria tamanha responsabilidade, se lembrarmos que, exatamente, como vocês, também já fui aluna de Conceição? Ou que igualmente, e não faz tanto tempo, já estive onde vocês estão hoje? O que me leva direto a uma certa confusão de papeis, a princípio por não saber que pronome seria o mais apropriado a ser utilizado aqui, eu (professora Juliana)?, eu (ex-aluna Juliana)?, nós (Professora Conceição Flores e eu)?, nós (eu e vocês) – eternos alunos do Curso de Letras da UnP? Na dúvida, utilizarei apenas e simplesmente “nós”, para que, disfarçada de nós, professores e professoras, alunos e alunas, eu possa, finalmente, dar vazão ao sentimento de paixão que nutrimos pela profissão e pelo Curso de Letras da UnP, nosso lar.
Lar/Home é uma forma especial de se definir a casa, local onde nos reunimos, nos encontramos para dividir e multiplicar os assuntos pertinentes e tão característicos a esse ambiente.
E somos muitas suas devedoras e devedores. E nossas dívidas são de natureza diversa. Aprendemos aqui uma certa maneira de olhar a linguagem, o sujeito e a vida. O que é possível fazer hoje em sala de aula e o sentido que damos a essa prática, herdamos dele, do Curso de Letras e da tão falada “alma”, sempre lembrada pela Professora Célia Barbosa, sempre existente em nosso Curso, em nosso lar. Ele trilhou e construiu para nós e antes de nós o caminho que hoje percorremos.
Para além do campo teórico e metodológico, aprendemos com esse nosso Lar, coisas que nem mesmo suspeita ter-nos ensinado, atitudes que dizem respeito não apenas à postura formal do professor de Letras, mas à conduta do homem. Ética, lealdade, tolerância, determinação são algumas delas.
Por tudo isso, o clichê de dizer o quanto nos sentimos honradas pelo convite, no meu caso, se desfaz em função da densidade emocional de ser parte dessa história, de, assim como vocês, ter o sobrenome UnP. É imperativo ressaltar que realizar essa apresentação é um emocionante privilégio para mim. Acredito que muitos poderiam e desejariam assinar este texto, esse discurso, pois como nós, sentem gratidão, admiração, respeito e profundo afeto por tudo isso que se tornou o nosso Lar. Esperamos que essas pessoas se sintam representadas por nós e pelos demais aqui presentes.
Tantas foram as lições que aprendemos nesse nosso lar e, num processo contínuo, nunca deixaremos de aprender. A sala de aula é o habitat privilegiado do professor. E para os bons professores, uma aula, mais do que uma tarefa a ser realizada, é uma paixão a ser desfrutada. Quem quer que tenha frequentado o Curso de Letras, com toda certeza, se deparou, em muitos momentos, com professores e alunos-professores transbordando de paixão. Mas o calhamaço de papeis e os muitos livros que carregavamos eram pistas de que, por trás da inspiração apaixonada, havia muito trabalho, muito investimento pessoal. E hoje, evento este que aqui presenciamos comprova tal trabalho, árduo e cotidiano.
Apesar do arduo trabalho, dedicação e do amplo espectro de temas, acreditamos que a importância efetiva do trabalho do professor de Letras está menos naquilo do que é dito e mais em como é dito. É nesse ponto que a grandeza de todos nós, eternos alunos-professores e professores-alunos, sobressai. No entanto, não devemos abrir mão da profundidade em nome de uma suposta necessidade de adequação ao público aluno. Nossa conduta deve-se guiar permanentemente em buscar uma linguagem simples para dar a conhecer o complexo, não levando receitas prontas para sala de aula, mas pressupondo o comprrometimento do aluno no percurso do aprendizado, num trabalho colaborativo entre quem ensina e quem aprende.
Devemos lembrar sempre de buscar exemplos novos a cada novo curso a estagnar reflexões em demonstrações que já deram certo, rfeletindo um perfil de professor que não se acomoda, que não se esquiva do trabalho pesado. Essa postura de professor reflete claramente uma atuação como pesquisador, para quem o conhecimento está sempre se refazendo, sempre em processo de reconstrução, pois pesquisar para um professor deve ser uma tentativa incessante e sempre provisória de explicar o mundo.
Pois, como ressalta Donald Davidson em “The Varieties of Knowledge”, “Quando contemplamos o mundo real que partilhamos com os outros, não perdemos o contato conosco, mas nos reconhecemos como membros de uma sociedade de mentes. /.../ E essa comunidade de mentes é a base do conhecimento e a medida de todas as coisas”
A organicidade em termos teóricos indica a condição firme de um professor pesquisador preocupado com o rigor científico e com a coerência interna a cada exposição de seu pensamento. Tudo isso permeado pela hipótese sociointeracional de base cognitiva. E os assuntos que abordaremos em sala de aula sempre estarão atrelados as velhas e boas questões de sentido, da cognição e da linguagem, que nos é tão presente em nosso lar – o Curso de Letras.
A sala de aula também constitui para todos nós um grande laboratório de investigação, onde conhecer não é um ato individual, mas uma ação cooperativa, o professor não se porta como dono absoluto do saber e da sala de aula, mas como um co-participante, superando a pedagogia em que o professor se limita a transmitir ou repetir o já sabido, mas aposta na construção coletiva do conhecimento. Afinal os grandes professores se aventuram em um curso não para comunicar o que já sabem, mas para pensar sobre uma coisa que desejam muitíssimo conhecer, para lançar um olhar reflexivo sobre algo, e aprender juntamente com seus alunos.
E foi nessa interação, entre todos nós, professores-alunos e alunos-professores que hoje estamos aqui, para continuar essa história que nos precede, que nos gera, que nos habita, que é nossa tarefa, nosso destino, nossa dignidade, enfim, o único lugar possível para nós.
Hoje, 17 de fevereiro de 2009, nosso, igualmente e mais uma vez, último dia, e repito, pelo menos, oficialmente, e, por enquanto. Desconfiança não existe mais. Passeamos pelos corredores da UnP como se ali fosse a nossa casa, nosso lar, nosso ponto de encontro. Compramos uma pipoca Bokus em uma das lanchonetes, e, às vezes, até filamos um cafezinho da sala dos professores, não cruzamos um corredor sequer sem cumprimentar pelo menos um bedel, sempre dispostos a nos ajudar. Por vezes vamos até Bruno, Mazinho, cheios de problemas, solicitações, pedidos e até imposições, como também, vamos lá simplesmente para visitá-los e jogar conversar fora, quando a professora Célia nunca perde a oportunidade de nos chamar para saber como estamos, como vão as coisas, ou, simplesmente, para anunciar e comemorar junto conosco algum novo feito realizado por nós, pelo Curso de Letras. Pois é, realmente ali é a nossa casa. E hoje, nós a deixamos.
Mas partimos com uma certeza: ali eu fui feliz! Fomos felizes, fomos alunos, sempre chamados pelos nomes e não meros números! E assim como sei que vocês sentem agora, meu coração também dói por partir, pois a UnP, e devo dizer, em especial, o Curso de Letras, sempre me recebeu, nos recebeu, de tapete vermelho estendido, de portas abertas e garantia de sorrisos nos rostos. Pois é, acabou, e agora José? E agora José Romerito, Nevinha, vocês, queridos alunos e colegas de profissão, como faremos sem essa casa, sem nosso lar?
O homem nunca está satisfeito, estávamos loucos para dar início a uma nova etapa de nossas vidas, e agora, que ainda nem sequer acabou, já estamos sofrendo de saudades. Mas já? Pois é, e pode ter certeza, demorou... Demorou porque saudades teriam que ser sentidas durante esses quatro anos, durante todas as aulas, durante todos os intervalos, durante todos os eventos. Saudades deveriam ser sentidas antes, porque assim aproveitaríamos mais cada momento, cada intervalo, cada reunião, cada evento.
Saudades sinto, saudades vou sentir, saudades todos nós sentiremos.
Gostaria de agradecer a cada um que participou do “nosso” Curso, da “nossa” Universidade, sem uma única exceção. Um beijo em todos que fazem parte dessa turma, essa família que conviveu durante esse tempo todo, com algumas diferenças é verdade, mas o que é uma família sem diferenças? Não seria família, não seria um lar.
Por último, o nosso muito obrigado a vocês, a nós, a todos nós que fazemos o Curso de Letras da UnP, que juntos damos corpo e alma a esse Curso, que para sempre é e será o nosso LAR.
A vida hoje toma um novo rumo, os encontros serão mais raros, as brincadeiras também, alguns ficarão mais longes que outros, é a vida. Mas sei que ainda nos encontraremos muito, por corredores de escolas, em eventos, em nossa eterna casa, na UnP e, finalmente, nas aulas que a vida nos dá, sempre.
Foi um prazer estarmos juntos, caros colegas, obrigada!
Professora Juliana Barreto